Alerta de Revistas Predatórias Brasileiras
Um projeto independente, para a ciência brasileira
Artigos Informativos
Golpe científico: os perigos por trás das revistas predatórias
Criado em: 2024-08-22 18:17:00 - Atualizado em: 2024-08-29 22:40:44
Publicado originalmente em: Jornal da USP - 22/08/2023 - Por Camilla Almeida
A história é comum. Você é um pesquisador, se sentindo pressionado a aumentar a produtividade e encorpar seu currículo, e, de repente, recebe um convite de uma revista científica para publicar rapidamente um trabalho. Cuidado com o golpe! Um grupo de cientistas da área de biologia se uniu para alertar o meio acadêmico sobre as consequências de ceder a esse chamado, que costuma chegar por e-mail. Em um artigo na Neotropical Biology and Conservation, eles divulgam dicas de como escapar de convites mal-intencionados e golpes financeiros das editoras predatórias, que publicam sem revisão de pares, ou seja, outros cientistas com expertise no tema estudado. Neste texto, levantamos as orientações principais.
Artigo científico é um trabalho divulgado em uma revista especializada que descreve os resultados de uma pesquisa acadêmica. Antes da publicação, o material passa por múltiplas etapas de verificação dos resultados e da metodologia proposta. O processo, feito por outros cientistas, é chamado de revisão de pares e leva um certo tempo até que o trabalho seja analisado, aprimorado e finalmente publicado. Essa demora, alinhada à realidade do mundo acadêmico, onde publicar uma grande quantidade de artigos pode abrir portas para bolsas, financiamentos e aprovações em concursos, faz com que muitos cientistas sejam enganados e publiquem nas revistas predatórias. O que pode representar um grave risco não só para a trajetória dos acadêmicos, mas também para a comunidade científica e a sociedade como um todo.
De acordo com Cássio Cardoso Pereira, doutorando da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e um dos autores do texto, a atuação de editoras predatórias se concentra, principalmente, no envio de e-mails que prometem a publicação do artigo em um curto prazo – na maior parte das vezes pedindo o pagamento de um valor para tal. “Eles mandam esses e-mails após achar o endereço eletrônico dos autores por meio das redes sociais ou outras publicações. O convite vem acompanhado de elogios, dizendo que o corpo editorial deles já aceitou o artigo ou que não existe a necessidade de revisão”, explica ao Jornal da USP.
Em meio à pressão em se ter muitos artigos – independentemente da reputação da revista onde serão publicados -, os pesquisadores podem se ver enganados por esses falsos atrativos. Para Marco Mello, coautor do texto e professor do Instituto de Biociências (IB) da USP, as publicações predatórias são consequência desta danosa cultura estabelecida entre a comunidade científica, na qual a quantidade é mais importante do que a qualidade do material produzido.
“Desde o momento em que passaram a ser avaliadas por um conjunto de números, as pessoas começaram a sentir uma pressão muito grande para publicar cada vez mais. A ideia é que, se você não publicar no ritmo alucinante que o sistema impõe, você ‘morre’ academicamente”, explica o especialista. Chamada de publish-or-perish (em português, “publique ou pereça”), essa conjuntura é aproveitada por periódicos fraudulentos para lucrar e transformar a ciência em um produto passível de ganhos financeiros.
Publish-or-perish
O termo se popularizou no final da década de 1990 em uma tentativa de dar um nome ao ritmo autoimposto pela própria comunidade acadêmica naquele momento. Com a chegada de cada vez mais pessoas à carreira científica, foi se observando uma mudança nos critérios de avaliação – visto que os antigos já não comportam a quantidade de profissionais no campo. É a partir daí que o rendimento acadêmico passou a ser avaliado não por sua qualidade, mas sim pelo número de artigos publicados.
Ao mesmo passo em que o modo de avaliação se alterou, o processo de aprovação dos artigos científicos permaneceu o mesmo: eles passam por uma série de etapas com toda a rigidez científica necessária, e que, por esse motivo, podem ser demoradas. Com isso, a publicação de artigos predatórios passou a se mostrar cada vez mais presente no meio, seja por pesquisadores enganados por organizações fraudulentas, seja por cientistas mal-intencionados, que estão cientes dos problemas gerados.
Para Pereira, o processo de revisão é essencial para que resultados equivocados não sejam divulgados, acarretando consequências para a sociedade.
Até chegar às páginas dos periódicos, as especificações a serem cumpridas são variadas e já começam antes mesmo de submeter a produção – antes de tudo é preciso adequar o trabalho às diretrizes de formatação e informar dados tanto sobre o estudo quanto sobre o próprio pesquisador. Após o envio, o artigo passa por uma minuciosa análise pela banca revisora da revista, formada por outros cientistas e especialistas, que, por sua vez, realizam comentários e verificam os resultados propostos. Eles ficam responsáveis por avaliar a excelência da pesquisa, analisando tanto a metodologia quanto as conclusões alcançadas – e é aqui que o trabalho pode ser recusado ou aceito.
Caso seja qualificado, o artigo então é verificado pelos editores, que também fazem notas e sugestões. Apenas depois de múltiplas etapas de observação e apuração é que a produção científica pode ser incluída no periódico. De acordo com Mello, a cultura publish-or-perish esvazia a importância de todo esse processo de revisão e desvia a comunidade científica de seu objetivo. “A partir do momento que a publicação científica se tornou uma indústria de ritmo acelerado, a busca por conhecimento e a vontade de traduzir o mundo para a sociedade ficam em segundo plano.”
Como se prevenir
Para escapar de publicações predatórias, os especialistas salientam que, antes de aceitar qualquer convite, é preciso verificar algumas informações sobre o periódico, como a composição da banca editorial e o fator de impacto da revista – índice utilizado para avaliar sua importância dentro de suas áreas de atuação. Calculado a partir da divisão o número de citações dividido pelo número de publicações nos últimos dois anos, essa é uma importante informação que pode identificar um periódico inexistente ou mal-intencionado.
Conversar com outros pesquisadores experientes, professores e orientadores também é um meio de se proteger desse tipo de prática. “É preciso estabelecer um canal de comunicação com os cientistas que acabaram de ingressar na graduação e nos programas de pesquisa. Se os estudantes tiverem uma noção inicial de como o sistema funciona, eles vão saber reconhecer quando um convite é legítimo e quando um convite é predatório”, diz Mello.
O próprio envio do convite ao pesquisador pelo e-mail já deve acender o alerta. Isso porque, geralmente, é o pesquisador que manda seu artigo para publicação, não vice-versa. “Pesquisar pelo corpo editorial e averiguar sua composição, pesquisar nas principais bases de dados, utilizar softwares de verificação: é preciso buscar ativamente por pistas de publicação predatória”, afirma Pereira. No texto, os pesquisadores disponibilizaram uma tabela de sites que podem ser utilizados para verificar tais dados.
Sites para verificações de dados
Beall’s list (2008 – 2017) - https://beallslist.net
Editoras e revistas predatórias
Acesso liberado
Buscar Currículo Lattes - https://buscatextual.cnpq.br
Pesquisadores brasileiros
Acesso liberado
Cabell’s list - https://cabells.com
Editoras e revistas predatórias
Registro necessário
Directory of Open Access Journals (DOAJ) - https://doaj.org
Revistas científicas de acesso aberto
Acesso liberado
Base de dados do Google Scholar - https://scholar.google.com
Pesquisadores
Acesso liberado
Métricas do Google Scholar - https://scholar.google.com/citations?view_op=top_venues
Publicações registradas no Google Scholar
Acesso liberado
Base de dados da revista Nature - https://nature.com/nature-index
Instituições
Acesso liberado
Padrão Internacional de Numeração de Livro (ISBN) - https://isbn.org
Livros
Acesso liberado
Número Internacional Normalizado para Publicações Seriadas (ISSN) - https://issn.org
Revistas
Acesso liberado
Banco de dados de relatórios de citações de periódicos - https://jcr.clarivate.com/jcr
Publicações registradas na Web of Science
Registro necessário
Lista de publicações predatórias - https://predatoryreports.org
Editoras e revistas predatórias
Registro necessário
ORCID database - https://orcid.org
Pesquisadores
Acesso liberado
Lista de publicações predatórias - http://140.113.207.51:8000
Editoras e revistas predatórias
Acesso liberado
Base de dados do ResearchGate - https://researchgate.net
Instituições, revistas, editoras e pesquisadores
Registro necessário
Base de dados do Scielo - https://www.scielo.org
Revistas indexadas no Scielo
Acesso liberado
Base de dados do Scopus - https://scopus.com/sources
Revistas indexadas no Scopus
Acesso liberado
Base de dados da Web of Science - https://webofscience.com/wos/author
Pesquisadores
Registro necessário
Outros Artigos
Imagens suspeitas em artigos derrubam diretor de programa de...
Estudo com recomendações para garantir rigor científico é...
As dificuldades para verificar o rigor estatístico em artigos...
Correções furtivas: Revistas retificam dados e imagens de...
Propaganda enganosa: Sites piratas se fazem passar por...
Lista infame: Anestesiologista é o primeiro pesquisador a ter...
Violações éticas: Entusiasmo com terapia psicodélica esfria...
Verificação de dados: As dificuldades para verificar o rigor...
Periódicos sequestrados: Levantamento aponta uma elevada...
Treinamento que flerta com a má conduta: Empresas de escrita...
List of Predatory Indexers and Fake Impact Factors
Práticas de publicação predatórias e questionáveis: como...
Revistas predatórias e ciência de baixo impacto: cortando o...
Novas recomendações internacionais para publicação em acesso...